«Infelizmente, a erosão, de direitos fundamentais humanos, não fica sustida apenas no aspeto mercantil em que opera a redução da pessoa humana a uma objetificação pronunciada. Intrometida e diligentemente, o próprio Estado passou a focar a pessoa como um “asset”, como um meio, rasgando os pilares fundacionais de toda a doutrina kantiana.
A observação da realidade presente, ainda comprometida pela atualidade da pandemia, não olvida que, à semelhança do surveillance capitalism, aqui converge a dualidade relacional humano/tecnologia (digital). Se o Estado se comporta como um ente egoísta, usando as pessoas como mero valor, ponto de dados, métrica ou perfil, miríade informacional para prosseguir determinadas agendas (quais?), o que o distinguirá das organizações privadas que procuram o lucro por todos e quaisquer meios?(…)
Urge, pois, contrariar as pulsões totalitaristas de estados de vigilância, promotores de exclusão e discriminação, sob pena de o nosso futuro, enquanto ente coletivo, ser irreparavelmente composto por cidadãos desprovidos da sua individualidade intrínseca.
Tal distopia estadual não serve à pessoa humana. A luta convoca-nos a todos.
O núcleo não pode, em momento algum, ser desfocado da sua essência: Estado ao serviço da pessoa. Tecnologia ao serviço da pessoa. É pela pessoa que o Estado se materializa. É para a pessoa que o Estado se organiza numa comunhão de direito democrático. É por um Estado que promove e prossegue o cardápio de direitos, liberdades e garantias fundamentais da pessoa que cumpre lutar. De igual forma, o recurso à ferramenta de auxílio – a tecnologia (digital) – pode e deve ser feito sempre que a finalidade seja construir um ente coletivo em que a pessoa é e sempre, também pela sua individualidade intrínseca, um fim em si mesmo. É por tal futuro por design, na disponibilidade da pessoa e pela pessoa humana que devemos concentrar o nosso esforço coletivo.»
Nuno Teixeira Castro,
Setembro de 2020
Cyberlaw by CIJIC, Direito: a pensar tecnologicamente.
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